A angústia de envelhecer e o ódio do jovem com a velhice.

downloadCaro leitor, façamos um exercício imaginativo. Imagine esta cena:

Você está bem velhinho, talvez com 80 ou 90 anos de idade. Todo o seu corpo dói. Ele não responde mais aos seus comandos cerebrais. Você quer que sua perna se movimente rapidamente, mas ela é mais lenta que uma tartaruga. Sua visão é opaca e borrada. Não pode mais enxergar a beleza das flores ou o rosto do seu netinho com nitidez. A única memória que possui da beleza da vida são aquelas que lhe restaram dentro da cabeça, já bastante desmemoriada. Além de tudo, você está apavorado com a proximidade da morte: o maior temor de todos os seres humanos viventes. Ela está para chegar, e o mais terrível é que você não tem a menor ideia de quando ela virá: se hoje, amanhã ou no ano que vem. O seu estado de incerteza é absoluto. Sua audição está péssima. Sente-se o tempo todo mergulhado em uma piscina funda. Não pode mais ouvir o barulho da chuva ou o riso do seu neto ou o canto dos passarinhos, que sempre alegram o coração humano, mesmo daqueles mais amargurados com a vida.

Diante de tanta catástrofe, o que resta fazer?

Frente a esta pergunta tenebrosa, você responde que a única coisa que deseja ardentemente é que a morte chegue rápido, o mais rápido possível, para lhe tirar deste tormento que é o final de sua vida. Ao seu redor, você raramente encontra jovens – seus filhos e netos – sensíveis às suas dores de alma. Eles se queixam, irritados e raivosos, que você não está escutando mais, que está completamente surdo. Eles não têm paciência de repetir inúmeras vezes a mesma pergunta e vão deixando você cada vez mais sozinho e isolado em seu próprio mundo: o mundo do silêncio e da morte. Isso fere o seu coração, pois você pensa que eles não deviam tratar tão mal alguém que lhes deu a vida, mas não há o que ser feito. Você pensa que cada um está isolado e trancado em sua própria dor, em sua própria revolta. Diante deste quadro tenebroso e solitário, tudo o que você quer é morrer o mais rápido possível.

O que você sentiu ao ouvir esta pequena história, que pode muito bem ser a sua daqui há 10, 20 ou 30 anos?

Se você respondeu que sentiu angústia, está correto, corretíssimo em seu sentir. Se você não sentiu nada ou sentiu raiva do velhinho, que será você mesmo, sugiro que repense seus valores.

Escrevi este texto porque os jovens se esquecem de que eles também ficarão velhos. O ser humano é mestre em negar a passagem do tempo e a realidade inexorável da morte. Por isso têm-se tão pouca paciência com os velhos.

A realidade é que alguns jovens com pouca condição de enxergar a realidade odeiam velhos, sobretudo seus próprios pais. Isso acontece por uma série de motivos. Tentarei elencar alguns:

  • Os pais velhos relembram os filhos que a morte existe. Ele, com sua morte iminente, é a prova viva disso. E os filhos não gostam de ser lembrados que também ficarão velhos e morrerão.
  • Os pais lhes deram a vida, situação que implica uma dívida de gratidão. E seres humanos não gostam de se sentirem em dívida, sobretudo em dívida emocional. Frequentemente se esquecem de estes velhos que eles julgam rabugentos foram os mesmos que limparam por anos suas fezes, sua urina, que os alimentaram e os nutriram. E nisso não importa se eles foram pais mais ou menos equilibrados, mais ou menos felizes, mais ou menos impacientes. O fato é que nós devemos muito aos nossos pais e mães.
  • O velho faz o jovem se deparar com situações intoleráveis para ele. Por exemplo: o velho não escuta mais, realidade que é impensável ao jovem saudável e cheio de vida.
  • Suponhamos que este velho tenha que colocar um aparelho auditivo. O jovem poderá não ter paciência com os medos e temores deste velho ao ter que usar uma prótese; temor este que é absolutamente natural uma vez que a prótese é a comprovação social, para o velho, de que ele está perdendo suas funções vitais. Usar aparelho auditivo causa muita resistência porque com ele o velho explicita para a sociedade sua falência, a falência de sua capacidade de ouvir. Obviamente se as pessoas não negassem para si mesmas, ao longo de toda uma vida, a realidade de sua finitude e morte (que todos nós ficaremos cegos ou surdos ou dementes ou incapazes fisicamente na velhice), aceitariam isso com mais resignação. Acontece que a natureza humana é uma natureza narcísica. Nós gostamos de nos imaginar perfeitos e eternos. O antídoto que eu tenho contra isso é pensar todo dia um pouco na própria morte. Isso ajuda bastante a gente se lembrar de que não será eterno. Isso ajuda bastante a gente ter mais compaixão com quem já está no fim da linha.

Se você convive com pessoas velhas – seus pais ou seus avós – espero que este texto ajude você a refletir sobre o sentido da sua própria vida. Lembre-se que há uma enorme chance de você ser tratado pelos seus filhos na velhice como você trata os seus pais. Isso porque na mente existe uma lógica que tende à repetição.

Também, do ponto de vista filosófico, mais especificamente kantiano, existe uma regra básica que rege a vida e a ética humana: as pessoas tenderão a te tratar como você as trata. Isso é simples de entender, mas difícil de assimilar em profundidade. Esta é uma realidade para qualquer tipo de relação humana.

Então, desejo a você bastante coragem para observar com compaixão e acuidade a velhice de seus pais e avós. Você poderá aprender muito com esta experiência, ao mesmo tempo sinistra e enriquecedora. Aprenderá que logo é você que precisará contar com a compaixão dos jovens para ter um olhar amoroso sobre você. Olhar que é o único que nos salva deste grande sertão que é a vida humana nessa Terra.

Para brindar seus olhos e ouvidos com uma linda relação entre um jovem e um velho, sugiro que assista ao filme “Minhas tardes com Margueritte”, com Gerárd Depardieu. Lá poderá constatar que quando a alma do jovem é grande e vasta, a relação a ser construída é de respeito mútuo e aprendizagem  com o velho. Lá também poderá constatar que quando a alma do jovem é pequena e mesquinha (como era o caso da alma dos parentes de Margueritte), quase assassinatos podem acontecer. Ainda bem que no final parece que quase sempre o amor impera sobre o ódio. Isso me faz lembrar uma cena linda que vi esta semana na TV. Em uma rua horrível e sufocada de asfalto em algum lugar de São Paulo, furos foram feitos em meio ao cinza do asfalto para que lindas árvores fossem plantadas. É a esperança imperando sobre o feio e sobre a degradação humana.

Um comentário em “A angústia de envelhecer e o ódio do jovem com a velhice.”

  1. Sinceramente, acho que a rejeição contra os velhos vem muito mais do histórico de vida que os filhos e os netos têm com eles. Porque é difícil ver alguém rejeitando um velho só por ser velho. Quando vemos um caso de rejeição desse tipo e depois nos aproximamos mais pra ver melhor a história, descobrimos que a convivência com aquele velho sempre foi difícil desde que o filho ou neto ainda era criança, aquele velho nunca soube acompanhar as mudanças de fase dos filhos e dos netos, aquele velho sempre tentou impor as ideias dele com um autoritarismo desnecessário, aquele velho sempre tentou se meter compulsivamente em tudo o que acontecia com o resto da família…
    Ou seja, a paciência dos filhos e dos netos foi se esgotando ao longo das décadas até que agora chegou ao fim. E quando se trata de uma rejeição que vem sendo gerada há muito tempo, isso fala muito mais alto do que as limitações físicas que o velho apresenta agora.

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