A mesma hora

maquina de escreverUm tédio imenso encheu o peito de Frida. É que ela havia percebido, pela primeira vez, que a passagem do tempo é inexorável. Tudo isso ela enxergou de uma só vez, no exato instante em que carregava a sacola de compras com dez batatas e um maço de rabanetes que iria usar logo mais para preparar o jantar, exatamente como fazia há trinta anos.

Depois da descoberta colossal, Frida passou a caminhar com passos duros pela rua. O inverno se extinguia e um princípio de explosão de vida começava a ensaiar seus primeiros movimentos.

Diante da flor amarela, Frida fechou os olhos. Estava horrorizada.

Olhava a convulsão das folhas secas que caiam uma a uma pelo chão, deixando a rua suja como um museu. O mesmo museu que preservara por tantos anos em sua alma com seus sonhos perdidos de infância, os suspiros que nunca deu, o sorriso que morreu antes de nascer.

Espantada com a percepção inaugural de que o tempo lhe escorria das mãos, como a margarina com a qual pretendia mais tarde untar suas batatas, Frida correu para casa.

Chegando lá, jogou as batatas e os rabanetes pelo chão, que se espatifaram como pedaços de um corpo morto. As netinhas lilases, que brincavam na sala, cada uma com sua boneca de veludo, não puderam se salvar.

Agarrou as duas pequenas e as levou em direção ao jardim seco. Com uma voz débil, depois de colocá-las sentadas no chão duros, pediu-lhes com voz indomável que brincassem de um jeito que fizesse o tempo parar.

Em um átimo de lucidez, ela até desejava cessar com aquilo mas não podia. Não agora. Não mais. É que ela tinha percebido no caminho entre a feira e sua casa que agora era como a folha seca abortada pela natureza. E foi porque aquela mulher não suportou tal fato é que o seu passado e o seu presente, imiscuído em um futuro inexistente, tornaram-se amorfos, caídos, insolúveis. Por isso sacrificava suas netinhas. O sacrifício, ela pensava, era por amor, mas ainda assim era sacrifício. Insana, ela não considerava as coisas terríveis que se faz por amor, este amor repleto de vermes.

Depois disso, Frida nunca mais foi vista. Sumiu como fumaça que desaparece, para sempre, da memória dos viventes. Assumiu, com dignidade, o desaparecimento eterno.

As netinhas nunca tocaram no assunto. O dia sinistro ficou em suas memórias como um parêntese no meio da vida.

Emudecidas, tornaram-se elas próprias, o objeto de suas brincadeiras. Viveram para sempre como se fosse A mesma hora, A mesma hora, A mesma hora…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.