Álbum de família: ódio materno e transgeracionalidade no vir a ser mulher.

Meu intuito neste texto é utilizar o filme “Álbum de família”, exibido nos cinemas brasileiros em dezembro de 2013 como um modelo para pensarmos dois aspectos fundamentais à psicanálise:

  1. Presença da transgeracionalidade na construção do inconsciente individual
  2. Necessária passagem por zonas áridas de desamparo e solidão radical do sujeito que almeja se desenvolver e se diferenciar psiquicamente ou, dito nos termos de Lacan, daquele que busca romper com o discurso familiar.

Nesta análise irei ainda enfatizar um aspecto muito presente nesta obra que é a presença dos sentimentos de ódio da mãe dirigido a seus filhos (as). Ressalto neste sentido que para o senso-comum é bastante aceitável a ideia de que os filhos nutram sentimentos de ódio por seus pais, mas é bastante incômodo o reconhecimento de há em todas as mães (e pais) sentimentos de ódio e de inveja por seus filhos (as), embora este elemento esteja frequentemente presente em contos de fadas e na filmologia em geral.

Só para citar alguns exemplos, temos os contos da Branca de Neve e da Cinderela e no cinema, o filme de Ingmar Bergman “Sonata de Outono” e o recente filme “Cisne Negro”, que fez tanto sucesso provavelmente pelo fato de ter conseguido demonstrar com clareza e pertinência a inveja que a mãe da bailarina Nina nutria pelo seu sucesso e desenvolvimento gerando na filha estados terroríficos de despersonalização psicótica.

 Mito do amor materno:

Adiante demonstrarei que o mito do amor materno, amplamente analisado por Elizabeth Badinter pode ser considerado uma espécie de formação reativa contra a percepção da existência destes incômodos sentimentos. Ou seja, o que quero dizer é que existe uma forte idealização da maternidade, como se o amor materno fosse algo natural e divino e como se dentro da mente da mulher não existe nada mais além de sentimentos amorosos por sua criança. Por outro lado, discutirei que à medida que o sujeito (no caso, a mãe) pode se dar conta de sua ambivalência com relação a seus filhos, a maternidade pode ser vivida por esta pessoa com doses menores de culpa já que grande parte deste sentimento deriva exatamente da presença do ódio inconsciente dentro da mente da mãe dirigido à sua criança. A forte reação popular e da opinião pública frente às inúmeras mães que matam ou abandonam seus filhos demonstra-nos como é difícil para as pessoas aceitarem em si mesmas a presença de desejos filicidas. Mas, como sabemos, eles existem dentro de todos nós!

Encontros familiares de Natal:

Interessante destacar ainda que este filme foi lançado no Brasil próximo à data festiva do Natal – momento em que os encontros familiares costumam provocar tanta turbulência, não sendo incomum nestes encontros familiares a presença de brigas e discussões. Como se diz no senso-comum, o encontro de Natal é, com frequência, um momento de se “lavar roupa suja”. Deriva daí, inclusive, o fato de que muitas pessoas nesta época se queixam de estarem se sentindo deprimidas.

Mas, vamos ao filme, ou melhor, ao título. Ao ouvir este título a primeira associação que me vem é a de um álbum de família. O que costumamos encontrar em álbuns de família? Alegria, encontros felizes, registros de aniversários, casamentos, formaturas, nascimento de filhos, etc. Até onde posso pensar ninguém tira retratos de momentos de morte, de brigas, de tensões familiares, ou seja, ninguém costuma retratar os momentos difíceis, feios (no sentido da desagregação provocada pela irrupção do ódio) e turbulentos que, como sabemos, estão presentes em todas as famílias.

O lado B do nosso Álbum de Família:

               A proposta deste filme é, portanto, mostrar ao expectador o lado B de um álbum de família, ou seja, aquilo que não costuma aparecer nas fotos, mas que nem por isso deixa de existir: os ódios mútuos, as mentiras e falsificações, os ataques velados ou explícitos, o suicídio, a doença mental, o desejo de destruir e assassinar o outro… Tudo isso está ali explícito neste álbum de família.

A história é a seguinte: Violet (Meryl Streep) é uma mulher muito doente psiquicamente e, como ficamos sabendo mais tarde, alguém que não pôde escapar à violência de sua própria mãe. Seu ódio à vida, ao casamento e às filhas é explícito. Ela e o marido Beverly (Sam Shepard) tiveram três filhas: Barbara (Julia Roberts), Ivy (Julianne Nicholson) e Karen (Juliette Lewis). Violet desenvolveu um câncer na boca e encontra-se viciada em remédios contra a dor (mental?). É a boca, ou melhor, o que sai dela que a mata lenta, mas inexoravelmente. De sua boca não saem elogios, nem palavras de amor ao marido ou às filhas. Nem tampouco à funcionária índia que cuida de sua casa e de sua comida, carinhosa e silenciosamente.

Do ponto de vista psicanalítico sabemos que alguém que está tomado pelo ódio está doente psiquicamente. A doença de Violet é ter sido raptada pelos impulsos de morte, pela desagregação psíquica, ficando por isso incapaz de amar a si mesma e a seus semelhantes. Seu marido, provavelmente sentindo-se muito pressionado e desesperançado diante da condição de sua esposa, desiste da vida. Deixa a ela um bilhete dizendo que iria tirar a própria vida. Fala-lhe onde e como faria isso, mas Violet não consegue salvá-lo e prefere retirar o dinheiro do marido do banco a ir a seu encontro.

Sua condição de miserabilidade interna é visível e o seu sentimento de penúria é evidente – daí o apego excessivo ao dinheiro, que pode ser compreendido como um temor dela de sucumbir e morrer de fome (psiquicamente). Bion diz que a criança com muita dificuldade para amar pode fazer uma cisão entre o leite concreto que recebe da mãe e o afeto que vem junto com o ato de ser alimentado. Neste caso, penso que é este tipo de funcionamento que está em jogo. Ela não consegue salvar a relação afetiva porque, para ela, o sentimento de ser cuidada vem do dinheiro (concreto) e não da relação conjugal. Em suma, Violet está muito distante das verdades fundamentais que regem a vida humana.

Diante desta cena psíquica catastrófica, seu marido tira a própria vida e agora as três filhas precisam se encontrar para velar o pai morto (ou assassinado pela mulher?) e para decidir o que farão com sua mãe e consigo mesmas.

Encontro sofrido e difícil que remete a um retorno às próprias origens, às próprias feridas narcísicas, à violência materna dirigida a elas e às suas feminilidades. Nenhuma das três, como fica evidente no filme, pôde se desenvolver plenamente o que nos faz pensar que não houve, no caso de nenhuma delas, uma boa introjeção de uma mãe acolhedora, amorosa e continente que pudesse ajuda-las a se desenvolver pela vida.

Barbara, interpretada por Julia Robert parece-me ser a mais preservada psiquicamente. Mulher forte e corajosa. É ela quem, a meu ver, irá com mais contundência enfrentar o que estou chamando aqui de atravessamento de zonas áridas de desemparado e solidão para confrontar o discurso familiar, ou melhor, o discurso materno. Ao longo do filme é evidente como em muitos momentos ela repete o discurso da mãe (dito de outro modo: comporta-se como a mãe), sobretudo com relação ao marido e à filha, e é frente a esta repetição que ela se será chamada a se posicionar.

A transgeracionalidade no vir a ser mulher:

          Mas, vamos ao primeiro ponto que quero discutir aqui: o tema da transgeracionalidade; algo tão atual na psicanálise. Há uma cena do filme em que, depois de um encontro das três irmãs em que elas discutem e Ivy culpa Bárbara por tê-la deixado sozinha cuidando da mãe, elas saem para o quintal e encontram Violet sentada em uma cadeira de balanço. Remeto esta cena de Violet sentada na cadeira de balanço a uma comunicação de que algo precisava ser remetido à infância da protagonista para que pudéssemos compreender melhor o porquê de tanto ódio dirigido às filhas, ao marido e a si própria. E é exatamente isso que acontece neste momento.

Violet conta às filhas sobre um episódio muito doloroso (e traumático) vivido entre ela e sua própria mãe. Era véspera de Natal e Violet, então ingressando na adolescência, estava perdidamente apaixonada por um garoto da cidade. Solicita à mãe que lhe compre um lindo par de botas que viu em uma vitrine na cidade e diz à mãe que disso dependia a sua chance de, finalmente, conquistar o garoto. A mãe insinua à Violet que lhe dará o tão sonhado par de botas no dia de Natal. Diz a ela que vá se deitar porque no dia seguinte teria uma surpresa. Então, ela vai se deitar, mas não consegue dormir durante toda a noite, tamanho o desejo de finalmente poder ter as botas – representação de sua autorização para rumar à sua feminilidade. No dia seguinte, logo pela manhã, dirige-se ao lugar em que a mãe havia deixado uma bonita caixa de presentes. Abre-a, quase sem fôlego e encontra dentro um velho par de botas masculino.

Pois bem. Porque a mãe de Violet fez isso? Porque ela cometeu esta maldade com a filha, vivência que pela minha interpretação do filme, teve o efeito de um profundo trauma psíquico em Violet, impedindo-a para todo o sempre de usufruir do prazer de ser mulher, de amar o seu marido e suas filhas?

A mensagem da mãe é bastante clara ao dar o par de botas velho e de homem. A mãe diz à filha Violet, por meio deste gesto: Eu gostaria que você fosse homem. Odeio o fato de você ter nascido mulher.

Existe uma possibilidade interpretativa para este gesto da mãe bastante freudiano: ela teria permanecido aprisionada aos seus sentimentos de inveja do pênis e nunca pôde perdoar a si mesma e tampouco a sua filha por terem nascido mulher, ou seja, sem pênis. Este ódio à sua condição “sem pênis”, ou melhor, sem falo (potência em psicanálise), também explicaria bastante bem a presença, nesta família, de mulheres que frequentemente humilhavam e rebaixavam todos os homens da família.

Mas, não é por aí que eu gostaria de ir. Esta análise é bastante pertinente do ponto de vista psicanalítico, mas a meu ver, não vai mais fundo no sentimento de ódio que Violet e sua mãe acalentavam sobre a sua condição de ser humana e mulher.

Ou seja, gostaria de enfatizar que, a meu ver, o filme fala das conflitivas transgeracionais que foram sendo repetidas e reeditadas nesta família com relação ao processo de vir a ser mulher. Ou seja, a mãe de Violet não tinha prazer em ser mulher – algo que foi comunicado muito precocemente à sua filha. Violet por sua vez (em uma versão talvez piorada da mãe, já que os conflitos inconscientes que não são elaborados em uma geração comparecem de forma mais intensa e disruptiva na geração seguinte) não pôde amar ser mulher e tampouco pôde espelhar para suas filhas a feminilidade delas.

Por isso, nenhuma delas pôde se estabelecer amorosamente em uma relação conjugal, ou seja, formar um casamento sólido e amoroso. Karen se envolve com homens perversos, gigolôs que a traem e a tratam sem o menor respeito – respeito que ela não consegue sentir por si mesma; Ivy apaixona-se por seu próprio irmão, denunciando a completa falha de elaboração em suas vivências edípicas. Bárbara, por outro lado, por ser a mais preservada psiquicamente, consegue escolher um homem que a ama, mas por estar identificada demais com sua mãe, comporta-se com ele, em muitos momentos, como uma mulher fria e distante. O mesmo repete-se com sua filha.

Freud, em um de seus textos sobre a feminilidade diz que qualquer psicanalista que queira compreender as complexas teias de identificações que acontecem no psiquismo da mulher, deveria remeter sua análise às primordiais e precoces relações que a menininha estabeleceu com sua mãe; complexidade da qual, pelo menos em parte, o menino se acha preservado, por ter um corpo concretamente diferente do de sua mãe (ter um pênis) e por ser alvo prioritário dos desejos libidinais dela. Neste sentido, é evidente como a relação entre uma mãe e seu filho é muito menos repleta de turbulências e de ambivalências, do que a relação de uma mãe com sua filha!

Para Violet o ser mulher estava vinculado à beleza externa e não a um sentimento de prazer por Ser mulher. Por isso ela se queixava tanto de estar envelhecendo. Por isso ela odiava estar perdendo seus encantos. O que Violet não sabia é que o prazer de ser mulher é uma condição interna e não está ligado à concretude da aparência física.

É para o caráter nefasto da repetição dos conflitos inconscientes que a psicanálise chama a atenção: conflitos inconscientes que não puderam ser elaborados em uma geração, serão transmitidos à geração seguinte, via linguagem inconsciente, sem que as pessoas se deem conta. Desta forma, várias gerações estariam condenadas a repetir conflitos de gerações anteriores, de forma cada vez mais destrutiva para os membros familiares. É do caráter perturbador, enlouquecedor e mortífero desta cadeia de repetições inconscientes que nos fala Álbum de Família. Neste sentido podemos nos perguntar: quando tiramos um retrato de Natal, com todos os membros da família reunidos, será mesmo que naquela foto comparecem somente as pessoas presentes? Desta perspectiva psicanalítica, certamente não. Na foto, há, além dos vivos, fantasmas, ou melhor, discursos dos fantasmas sobre como é ser daquela família; como é ser homem naquela família, como é ser mulher, ou seja, qual o papel destinado a cada um de seus membros.

O atravessamento de zonas áridas de desamparo e solidão:

Então, chegamos ao segundo ponto da minha análise: para o sujeito romper com este padrão de repetição alienante ele necessitará ser corajoso o suficiente para percorrer zonas áridas de profunda solidão e de desamparo. Dito em termos de Lacan: para poder conseguir romper com o discurso familiar, alienante e mortífero, ele deverá suportar questionar seu lugar de objeto de desejo do Outro.

É isso que Bárbara consegue fazer, pelo menos parcialmente. Nos momentos finais do filme, quando todos já tinham partido, ela, ao perceber o caráter alienante e alienado da fala de sua mãe – que, no fundo, nem se dava conta da presença de sua filha como uma alteridade – Bárbara parte com seu carro, rumo à estrada.

  Que estrada é esta? Obviamente não se trata pura e simplesmente da estrada que leva a outra cidade. Trata-se da estrada que leva à diferenciação psíquica, da diferenciação entre ela e sua mãe.

Em uma das cenas mais bonitas do filme, Bárbara dirige cada vez para mais longe da casa de sua mãe (da casa do seu passado, de sua infância, de suas origens). Dirige como que automaticamente (ou desesperadamente?). Então, ela para o carro e desce: olha para trás (para sua identidade infantil que almeja ser Tudo para sua mãe); olha para frente (para sua identidade adulta, casada, feliz e diferente de sua mãe) e faz uma ESCOLHA.

É aí que se instaura o sujeito. Neste ponto de convergência (ou de divergência?) entre passado e futuro, entre voltar e seguir adiante. Onde o que precisaria ser visto já está visto e não dá mais para recuar. Mas, onde também seguir adiante é doloroso porque implica na percepção de que se segue só; absolutamente só.

Afinal, milhões de pessoas no mundo não deixam sua condição infantil, muitas vezes, porque deixar isso implica em deixarem de ser Tudo na vida de alguém. Ao contrário: seguir adiante, fazer escolhas implica, por outro lado, arcar com o próprio desejo, ser guia de sua própria história e não uma mera repetição da história dos pais. Lacan chegou a dizer que só se pode falar em final de análise quando o sujeito em questão pôde se aproximar de sua condição de completo desamparo e solidão na vida. Dito de outro modo: só podemos falar em “final de análise” quando pudemos sentir no corpo e na carne o fato inexorável de que somos sós e absolutamente responsáveis por nós mesmos e mais ninguém!

Este é um dos aspectos mais importantes e mais dolorosos (momentos catastróficos) do desenvolvimento psíquico.

Bárbara, com toda sua coragem, conseguiu seguir adiante. Meu sentimento ao sair do cinema era o de uma grande torcida – a torcida de que ao final desta estrada ela pudesse se encontrar com um divã. Afinal, o filme é uma alegoria de um processo longo, difícil e muito doloroso. O que quero dizer é que o final desta estrada é só o início de muitas outras. Chegando lá (onde quer que isso seja), Bárbara ainda tem muitas coisas a elaborar – seu casamento, sua relação com sua filha, consigo mesma, com sua própria feminilidade.

Mas, de qualquer forma, a mensagem do filme é de esperança: o primeiro passo para a diferenciação foi dado. A estrada poeirenta, solitária e arenosa já foi inaugurada pela protagonista – talvez a primeira de três gerações a ter a coragem necessária de seguir adiante. Neste caminhar, ela leva consigo, de forma amorosa e guerreira, todos aqueles que ficaram. Também facilita caminhos para os que virão depois dela.

O ódio da mãe pela filha:

Por fim, há um último elemento que gostaria de destacar. Eu disse acima que é muito difícil para as pessoas aceitarem que uma mãe possa odiar seu filho (a), embora isso aconteça muitas e muitas vezes na relação entre a mãe e sua criança.

Em se tratando particularmente do ódio presente na relação da mãe com sua filha mulher – que é do que trata o filme – as motivações inconscientes para isso são várias:

  • Inveja pela juventude e beleza da filha, no momento em que a mãe se dá conta do seu envelhecimento e da perda do seu próprio encanto e beleza externa. Neste caso, se a mulher não pôde ir construindo pela vida outras formas de se sentir potente com relação à sua própria feminilidade, o sentimento de inveja e desejo de destruir o encanto da filha fica ainda maior, já que a mãe sente que não há mais nada com que possa contar internamente para se sentir uma pessoa de valor e bonita. No filme este elemento fica evidente quando Violet diz à suas filhas que elas estão horríveis e que logo serão trocadas por uma mulher mais jovem e mais bonita. Neste caso, fica evidente a depreciação feita por ela com relação à beleza das filhas. Isso pode explicar, em parte, o fato de Bárbara (interpretada por Julia Roberts, uma mulher belíssima) ter tão pouco cuidado com sua própria aparência.
  • Pode haver uma identificação narcísica feita pela mãe com relação à filha, algo que também fica evidente no filme. Neste caso, a mãe vê a si mesma em sua filha e tende a se relacionar com ela (filha) do mesmo modo como se relaciona com a imagem de si mesma no passado. No caso do filme, como Violet não pôde investir em si mesma (pela impossibilidade da mãe de ajudá-la com isso) sentimentos amorosos e de respeito por quem ela era, tratava as filhas do mesmo modo, rejeitando-as e odiando-as como odiava a si mesma. Trata-se neste caso de dificuldades na elaboração de vivências precoces de separação e diferenciação eu – outro. Relembro a vocês que, conforme nos ensinou Lacan, o narcisismo de vida que a criança irá investir em si mesma, sendo capaz de se amar, depende em grande parte do olhar amoroso da mãe para com ela. Ele nomeou este processo de “fase do espelho”. Dito em termos mais poéticos, são os olhos da mãe que espelham para criança a imagem que ela terá de si própria. Esta imagem pode ser bonita ou feia, dependendo do olhar que a mãe tem sobre sua filha.

Seria necessário o desenvolvimento de outro artigo para analisarmos o ódio que pode estar presente na mente de uma mãe por seu filho, já que obviamente a questão da identidade sexual da criança a posicionará dentro do mundo fantasmático da mãe de maneira diferente e singular.

O que quer uma mulher?

No texto em questão tive como objetivo discutir e pensar sobre a particularidade da relação da mãe com sua filha, e da filha com sua mãe. Penso que Freud nunca pôde chegar a fundo na questão “O que quer uma mulher” porque, como o filme evidencia, o mergulho nestas zonas áridas e repletas de rivalidades, competições, desejos assassinos, invejas e ódios não é tarefa fácil, sobretudo para um homem. Melanie Klein, talvez por ser mulher e por ter experimentado a qualidade explosiva desta relação com sua própria mãe, foi a psicanalista que mais se aproximou destas questões, apesar de ainda assim ter enfatizado prioritariamente o ódio e a inveja que a menina sente da mãe e não o contrário.

Neste sentido, a proposta de filmes como este, assim com a mitologia presente em contos de fadas e histórias infantis, serve bem ao propósito de oferecer estímulos ao psicanalista e às pessoas em geral para pensarem e refletirem sobre aquilo que estou chamando de lado B do álbum de família. Com sorte, se pudermos pensar e acolher o lado B de nossas histórias poderemos não mais repeti-las, mas transformá-las e a nós próprios em sujeitos de nossa própria estrada.

5 comentários em “Álbum de família: ódio materno e transgeracionalidade no vir a ser mulher.”

  1. Boa tarde. Gostaria de saber o nome da autora deste artigo? Obrigada!

    1. Caetano, fico feliz que tenha gostado das minhas reflexões. Se você tiver interesse em ler mais coisas minhas, eu tenho dois livros publicados: um mais teórico sobre psicanálise e outro, um romance psicanalítico chamado Eu, Clarice. Este último eu lancei só por e-book e você pode adquiri-lo no próprio blog pelo preço de R$ 10,00. Você pode ter acesso a este material em livros publicados. Forte abraço!

  2. eu normalmente não comento muito em blogs, mas que texto incrível, minha mente está borbulhando em todos os sentidos. Muito obrigada por compartilhar conosco.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.