O paciente obsessivo e a psicanálise

downloadNa semana passada recebi o contato da Aline pedindo-me para comentar sobre como a psicanálise pode contribuir para compreender o paciente que apresenta sintomas obsessivos. Ela escreveu:

Olá, Ana. Gostaria de saber um pouco mais em relação ao paciente diagnosticado com TOC. Como são estruturadas as sessões? Qual o olhar da psicanálise em relação a esse sujeito? E por último o que fazer quando esse sujeito demonstrar resistência principalmente à associação livre?

Meus comentários:

Aline, em primeiro lugar é importante lembrar que, para a psicanálise, os sintomas são a manifestação econômica entre o conflito pulsional e a defesa. Nesse sentido, ainda que tragam sofrimento ao sujeito são importantes para manter sua economia psíquica. Por exemplo, o sujeito histérico produz o sintoma conversivo porque em algum momento ele teve que se a ver com um conflito: ou aceitava o desejo sexual como fazendo parte do seu ego ou recalcava-o, produzindo o sintoma. Com o obsessivo, a mesma coisa se passa, embora os mecanismos de defesa que ele utiliza são diferentes do histérico e do fóbico, por exemplo. Normalmente, o sujeito obsessivo está tendo que se a ver com uma grande carga pulsional agressiva e sexual (sua sexualidade é iminentemente agressiva) que ameaça irromper em seu ego fragilizado, que tem que se defender contra o risco de uma fragmentação psicótica. Para isso ele utiliza mecanismos de defesa mais primitivos, tais como, a formação reativa, a identificação projetiva e a negação.

No texto “O homem dos ratos – notas sobre um caso de neurose obsessiva” publicado em 1909 Freud considerou explicitamente que a problemática do obsessivo está centrada na dialética entre medo e desejo, dialética que cria um curto-circuito entre a realização do desejo e a necessidade imediata de anulá-lo, por meio de rituais obsessivos. Por exemplo, um paciente obsessivo que passa horas de seu dia atuando rituais obsessivos de limpeza e ordem está, no seu inconsciente, tendo que lidar com desejos sexuais que ele considera sujos e imorais. Cabe ao analista ir ao encontro de conhecê-los e de nomeá-los ao paciente. Esta espécie de dicotomia pode ser explicada pelo paciente como se ele tivesse dois “eus”: um ordeiro e “bom”e outro que se sente possuído por desejos sexuais e agressivos intensos, normalmente de cunho perverso. Segundo Freud, este “eu” impulsivo e atormentado por desejos sexuais intensos corresponde exatamente ao que o paciente experimentava em sua sexualidade infantil ao qual o paciente permaneceu fixado. Ainda neste texto Freud é enfático ao dizer: o paciente obsessivo vivenciou na infância uma atividade sexual precoce e intensa. Esta atividade sexual masturbatória vem acompanhada de fantasias perversas exibicionistas e/ou voyeristas e sádicas.

Do ponto de vista do desenvolvimento psicossexual, a psicanálise compreende que estes pacientes permaneceram fixados na etapa do desenvolvimento sádico-anal em que as condutas de controle das fezes / outro se faz presente e onde o sadismo estava no auge. Outro ponto importante é que estas pessoas não atingiram as vivências edípicas genitais em que a percepção traumática da diferença entre os sexos e a realidade edipiana com sua cena primária não pôde ser devidamente sustentada.

Do ponto de vista estrutural, considera-se que a capacidade de representar psiquicamente a pulsionalidade nestas pessoas é bastante precária, por isso tende-se a pensar que o obsessivo está mais próximo do psicótico do que o fóbico e o histérico. Poderíamos dizer que o obsessivo usa as palavras como se fossem coisas. O “como se” na mente deles não existe. Uma pessoa saudável pode perfeitamente desejar que alguém que a irritou ou lhe fez mal morra porque ela pôde elaborar a contento a experiência de ser separada do outro e de que seu mundo interno e o mundo externo são coisas distintas. Nos sujeitos obsessivos esta aquisição não pôde se dar por algum motivo que precisa ser compreendido em análise. Daí que todos os seus pensamentos, atos e desejos tem o caráter de realidade externa. Agora vamos às questões da prática.

Com relação à estruturação das sessões, as mesmas devem ser estruturadas da mesma forma que com qualquer outro paciente. Aliás, para este tipo de paciente com sintomas obsessivos, a estruturação do setting é ainda mais fundamental porque na medida em que o trabalho transcorre e, na medida em que as defesas obsessivas vão afrouxando, o risco da fragmentação psicótica é presente, fazendo com que o setting tenha a fundamental importância de oferecer um continente ao ego extremamente fragilizado do paciente.

A questão que se faz mais evidente é que o tratamento deste tipo de paciente é uma grande carga para o analista. Espera-se, portanto, que ele tenha conseguido elaborar em suas próprias análises suas vivências sádico-anais e tenha conseguido acessar em si mesmo suas partes psicóticas, algo fundamental para ele conseguir sustentar a transferência.

Com relação a sua última questão, eu não compreenderia se tratar de resistência à associação livre o que eles apresentam em sessão. Na verdade, como estes pacientes graves estão muito próximos da psicose e, como eu disse, usam as palavras como coisas (e não como algo que representa a coisa em si), eles não conseguem associar livremente. Não é que estejam resistindo. É que eles não podem. Não sabem o que é utilizar as palavras para comunicar alguma coisa. A premissa básica da associação livre de ideias, segundo Freud, é que com o fluir livre de ideias, o psicanalista conseguiria chegar ao sentido latente do que está sendo comunicado, e este sentido latente seria a porta de entrada para o inconsciente.

Acontece que no caso da mente psicótica, não há sentido latente e sentido manifesto. Esta separação entre consciente e inconsciente, entre manifesto e latente, entre dentro e fora, entre interno e externo não existe. Esta diferenciação precisará ser criada no trabalho de análise. Por isso não há nada para ser descoberto ou desvelado em sua fala que tende a ser repetitiva, monótona e provocar tédio e sonolência ou irritação e rechaço no analista.

Então, se não há sentido latente para ser interpretado, com o que trabalhará o analista?

Ele trabalhará utilizando sua própria contratransferência.

Com este tipo de paciente, falas “como se” não tem qualquer tipo de eficácia porque eles estão em outro registro que não o neurótico. O analista terá que se oferecer e à sua mente para serem a mente do paciente, que nunca pôde aprender a representar seus conteúdos pulsionais. Com isso a capacidade de rêverie do analista é posta a prova e ele precisará buscar instrumentos em sua própria análise, em supervisões e em leituras que enfoquem o dinamismo das mentes mais primitivas. Outro elemento importante com este tipo de pacientes é a sobrevivência do analista. Parte do trabalho analítico é o de permanecer vivo e com uma mente funcionando, algo que irá sendo tomado com um modelo saudável de psiquismo para o paciente. Com estes pacientes é bastante frequente que eles se sintam surpresos com o fato de o analista ter conseguido sobreviver aos primeiros e difíceis anos de trabalho sem enlouquecer ou sem expulsá-lo das sessões.

Se você quiser aprofundar sua leitura, sugiro duas referências para você. A primeira é a do caso “Homem dos Ratos” de Freud. E a segunda é um livro lançado em 2002 por um casal de analistas franceses chamados César e Sara Botella. Neste livro eles apontam caminhos para que o psicanalista possa trabalhar com estes pacientes graves para os quais o método psicanalítico clássico não alcança seus objetivos a contento porque seus psiquismos estão fundamentados para além ou aquém da representação de objeto.

Referências:

César, Botella & Sara, Botella. (2002). O irrepresentável: mais além da representação. Porto Alegre: Criação Humana.

Freud, Sigmund. (1996). Notas sobre um caso de neurose obsessiva. In: Freud, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (pp.137-277). Vol. X. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1909).

           

 

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