Qualquer esforço em direção ao telefone era impossível para mim. Havia uma premonição tenebrosa se formando: a de que quanto mais eu caminhasse para o abismo, mais desgarrada e infiel aos padrões eu me tornaria. Uma revolta crepuscular queimava em meu peito e eu dizia a mim mesma:
– Não. Não quero mais esta selvageria mentirosa. Todos estão doentes, verdes e desmantelados. Por que só eu percebo isso?
Minha única vontade era enrolar-me em mim, como caracol enegrecido, cauda junto de cabeça, pele junto de pele, até formar uma só coisa, um só nada. Até sumir.
Brotava em mim, de forma desenfreada, um puro desejo de não ser mais. Nada de telefonemas, de metáforas, de meios sorrisos, de olhares que se desencontram das palavras. Meu ser clamava pela verdade. Sem ela, me recuso agora a viver. O telefone olhava para mim, com ar impaciente. Precisava ligar para o banco, resolver pendências. É que eu havia perdido minha identidade e não sabia onde ela havia ido parar. O problema – e nisso residia grande parte da minha vergonha – eu havia sido descoberta em minha ausência de identidade pela linda moça do banco que, cheirosa e malévola, atendia sorridente aos clientes do dia. Descobri que estava completamente sem identidade justo diante daquela linda moça. Fiquei estarrecida, envergonhadíssima. Ela, babando de prazer por ver minha dor e culpa, disse triunfante, para todo mundo ouvir:
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