A verdadeira riqueza humana.

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O que é realmente essencial para sermos felizes?

Hoje gostaria de fazer algumas reflexões sobre algo que venho pensando muito nos últimos tempos. Trata-se da seguinte questão: o que é realmente essencial para que um ser humano possa transitar por esta vida com algum prazer?

A partir das minhas reflexões, respondo que a maior riqueza que um ser humano pode ter está no que ele é capaz de sentir e não no que ele é capaz de acumular em termos de bens materiais.

Dito de outro modo, a maior riqueza que um ser humano pode conquistar para si é a sua capacidade de sentir bons sentimentos. Em termos teóricos, foi Melanie Klein quem mais desenvolveu esta ideia quando considerou que é a introjeção de um bom seio que nos permite amar, sentir gratidão e usufruir da vida. Trata-se, para ela, de uma equação que será feita muito cedo na vida de um bebê, mais especificamente até os seis meses de vida.

Muito se engana quem pensa que a vida de um bebezinho é fácil e plácida. A Psicanálise descobriu, através de seu acurado método clínico de investigação, que a vida de um recém-nascido é cheia de angústias inomináveis.

Ele se sente invadido por terrores de toda ordem: terror pelo medo iminente de morrer, já que sua constituição é ainda muito frágil e sua dependência do meio é total e absoluta. Além disso, o bebê vivencia temores e angústias derivadas das frustrações do seio, que são sentidas por ele como ataques. Por outro lado, se o seio é eficiente em acudir as angústias e intensas projeções do bebê, ele ainda terá que lidar com os sentimentos invejosos despertados pela sua percepção tênue de que o seio é capaz de lhe prover de algo que ele sozinho ainda não consegue.

Equipados com o essencial:

Por tudo isso, a vida de um recém-nascido não é nada fácil, assim como não é fácil a vida de um ser humano. O que se modifica com o tempo, se tudo correr bem, é que o bebê irá, através de suas boas experiências com o seio, desenvolver e fortalecer o seu ego para fazer frente a tantas angústias e frustrações que a vida lhe reserva.

E com isso, o ser humano, criança, adolescente ou adulto, estará equipado com o que lhe é essencial para enfrentar todas as adversidades que a sua existência terá. Trata-se, do “aparelho” que lhe permitirá amar e manter uma atitude respeitosa, íntegra e consiste com sua própria existência e com o que realmente é importante para si.

Para Melanie Klein:

texto 1Mas, retomando a questão inicial, para Melanie Klein, a introjeção de um bom seio irá depender basicamente de duas coisas: 1) de as experiências satisfatórias com o seio materno terem superado as experiências frustrantes; 2) de o bebê ser provido, em termos constitucionais, de uma maior capacidade de amar do que de odiar.

É importante frisar que por “seio materno” compreende-se em Psicanálise não o seio concreto, mas a experiência emocional intensa vivenciada por uma mãe e seu bebê. Funciona mais ou menos assim: eu não disse que o bebezinho humano nasce atormentado por angústias inomináveis? Então, como ele ainda não tem mente suficiente para dar conta de todas as suas angústias e emoções intensas de ódio e de inveja, ele as projeta na mãe, fazendo-a sentir o que ele próprio está vivenciando.

A mãe que está ligada emocionalmente ao seu bebê capta esta comunicação e “digere” tais sentimentos, devolvendo-os a ele de forma menos tóxica. Trata-se exatamente daqueles momentos em que o bebê encontra-se em estado de desespero e mãe consegue acalmá-lo com seu tom de voz suave e seu estado emocional equilibrado e firme. Ocorre também que se a criança nascer dotada de uma forte intolerância à frustação, mesmo que a mãe consiga realizar este trabalho de desintoxicação das emoções, a criança poderá encontrar maiores dificuldades para manter bons sentimentos dentro de si. Digo isso para frisar que este delicado processo não depende nem só da mãe nem só da criança, mas de cada dupla específica que se forma, com suas personalidades correspondentes.  É por isso que, para a Psicanálise, independente da corrente teórica adotada, a relação inicial mãe – criança é tão fundamental para entendermos o psiquismo humano.

É esta complexidade de coisas que irá definir, embora não determinar para sempre, a capacidade humana para sentir bons sentimentos que estão ligados à capacidade de amar e de sentir gratidão pela vida.

Amar ser quem se é, responsabilizando-se integralmente pelos seus atos, sentir gratidão pela vida concedida pelos pais, amar a própria história, perdoar-se pelo que não se é, mantendo uma atitude amorosa com quem se pode ser, valorizar as próprias ideias numa postura de respeito por si mesmo, respeitar a história e o passado, pois, sem passado não há presente nem futuro, tudo isso é derivado da capacidade de amar.

O acúmulo de bens materiais:

O acúmulo de bens materiais pode trazer muito prazer, desde que venha associado a esta capacidade interna para amar. Vamos pegar dois exemplos para ilustrar o que eu quero dizer:

1): uma criança pobre brinca e no seu brincar cria a sua própria realidade. Ela constrói um barco com um pedaço de papel que encontrou pelo chão e com ele desbrava novos mares. Com ele, ela é um corajoso marinheiro que enfrenta feras e grandes perigos do mar, saindo vitoriosa desta difícil batalha. Neste fantasiar, seus olhos se iluminam, seu rosto é puro prazer. Naquele momento, ela ama a si mesma e mantém uma atitude respeitosa com suas próprias fantasias;

2): um adulto rico e bem sucedido, “brinca” com o seu iate. Ele não sente prazer algum em navegar por aqueles mares, parece lhe faltar sempre algo que ele não sabe o que é. Sua vida, apesar de todo o dinheiro que conseguiu acumular, não lhe parece ter o menor sentido. Suas viagens ao exterior são todas sem graça e ele sempre volta o mesmo ou se sentindo ainda mais empobrecido. Seus olhos não são brilhantes e ele parece não ter prazer em viver. Sua vida é sentida como monótona e chata.

Pois bem. Os melhores amigos do nosso colega hipotético, dono do iate, irão lhe dizer para não pensar nestas coisas e concentrar sua atenção na próxima viagem, embora nada disso resolva sua vida porque não toca no âmago da questão: ele não sente prazer porque sua capacidade de amar e viver de forma criativa estão prejudicadas, por algum motivo que não podemos saber se não no contexto da análise.

texto2Espero ter transmitido a ideia central das minhas reflexões: o acúmulo, a aquisição de bens é algo que pode ser muito prazeroso quando se tem mente para usufruir daquilo que se conquista. Não acho que devemos fazer voto de pobreza para sermos felizes ou para não nos sentirmos culpados por aqueles que não têm. Ao contrário, acredito que o dinheiro quando atrelado à capacidade de amar e de viver criativamente pode nos proporcionar coisas incríveis.

O fato é que as coisas que podemos comprar com o dinheiro não proporcionam prazer por si mesmas. É o mesmo que um bebê sugando o seio só para não morrer de fome, mas incapaz de brincar e de sentir um imenso prazer com aquele momento. É o mesmo que ter uma relação sexual só para descarregar a tensão sexual sem se envolver criatividade naquele ato e por aí vai.

Pelo que posso observar em minha realidade quotidiana, sinto que a nossa sociedade como um todo, embora isso não seja uma regra, tem priorizado muito o acúmulo de dinheiro e a aquisição de bens materiais, esquecendo-se do que me parece essencial para a vida. Acho curioso, por exemplo, constatar como em minha região há uma expansão, a meu ver exagerada, de espaços de shopping-center comparada à expansão de parques, praças e espaços que nos coloquem em contato direto com a natureza.

A verdadeira riqueza humana: capacidade para amar e sentir prazer.

De qualquer forma, sem a capacidade de amar a vida e vivê-la de maneira prazerosa (algo que está ligado a processos muito primitivos e precoces), bens materiais são vazios, estéreis. Viajar pode ser extremamente prazeroso e nos permitir expansão e crescimento, acúmulo de experiências novas, mas também pode nos permitir nada mais do que voltarmos exatamente do jeito que fomos.

Se assim for, talvez valha mais a pena você investir o seu dinheiro em uma instigante e corajosa viagem ao interior. Não ao interior de Minas Gerais (que também pode ser incrível, com sua arte barroca e povo acolhedor), mas ao interior da sua própria mente. Quem sabe não está lá o que você procurou a vida toda em apartamentos, iates, viagens e restaurantes maravilhosos, mas nunca encontrou?

Abraços e até a próxima.

2 comentários em “A verdadeira riqueza humana.”

  1. Bom eu acho q a maior riqueza do ser humano é a onestidade a humildade e a fé e a observação da nosso mundo lindo e maravilhoso e esse natureza nem se fale isso

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