Angústias de Natal e de Ano Novo e a necessidade de comprar presentes.

Não precisamos fazer muito esforço para perceber, com a proximidade das datas de Natal e Ano Novo, o predomínio nas pessoas de um funcionamento que chamamos na Psicanálise de estado maníaco. Explico-me. Segundo Melanie Klein, defesas maníacas (tentativa de controle sobre o objeto) têm como propósito a evitação do contato com angústias depressivas que derivam do sentimento de perda de algo.

Experimente ir a um shopping-center neste período e notará o clima de excitação e agitação no ar. Pessoas enlouquecidas correndo de um lado para o outro PRECISANDO comprar presentes. Não importa o que e nem para quem será o presente. O ato de comprar importa mais do que o presentar em si.

Do ponto de vista psicanalítico, precisar fazer algo de forma compulsiva corresponde a uma necessidade peremptória de realizar uma ação (neste caso o ato de comprar) para evitar que a mente seja invadida por sentimentos desprazerosos. Trata-se, portanto, de uma ação de evitação, ou, para falar psicanaliticamente, de uma evitação fóbica. Eu compro bastante para evitar ficar triste… É por isso que é tão comum ouvirmos pessoas se queixarem de que no final do ano ficam mais tristes e deprimidas.

Mas, porque o FINAL de ano ativa em nós angústias depressivas?

Eu não disse anteriormente que a angústia depressiva está ligada ao sentimento subjetivo de perda de algo?  Mas o que é que sentimos estar perdendo nesta época do ano.

Neste período, que envolve as festividades de Natal e de Ano Novo, somos impelidos a entrarmos em contato com sentimentos ligados aos ciclos de vida e morte, que são expressos, respectivamente, pelo nascimento do menino Jesus e pela morte do ano velho.

Não sei se já pararam para pensar nisso, mas tanto no nascimento quanto na morte há perdas significativas que precisamos tolerar. No primeiro caso, há a perda do útero e o trauma do nascimento e todo o esforço que nós tivemos que fazer para sobreviver, na condição frágil de um bebê, em um mundo hostil e desconhecido. No segundo caso, há a perda da vida, do nosso corpo e vitalidade. É por isso que nos sentimos tão identificados com o bebê menino Jesus na manjedoura. Por que em nossos inconscientes, todos nós sabemos o que é vivenciar a condição de um bebê frágil e perseguido (pelo seu mundo interno).

Então, acredito que nestes períodos revivemos, de forma coletiva, angústias primitivas deste tipo que ficaram inscritas em nosso inconsciente de maneira atávica.

Como medidas fóbicas, ou seja, de evitação da irrupção destas angústias de perda, temos um rol de coisas que fazemos nesta época: 1)reunir-nos em grupo – em grupo o bicho papão fica sempre um pouco dissipado, pois, podemos terceirizar em algum grau a nossa angústia. Quem nunca ouviu uma tia te dizer na noite de Natal que você estava com uma carinha triste, quando na verdade você estava ótima?  2)comprar presentes – que é o que estamos tratando aqui; 3)embebedar-se até não saber mais quem você é; 4) soltar fogos de artifício, pois, com aquele barulho todo quem é que vai conseguir ouvir o que está dizendo a sua cabeça?

Como nosso tema é o ato compulsivo de comprar, é importante sabermos que esta não é a única maneira que temos de lidar com nosso bicho-papão interno. Aliás, todas estas medidas que eu elenquei são medidas, às vezes necessárias, é verdade, mas pobres, porque em nenhuma delas eu posso de fato viver o que está se passando dentro de mim. São todas formas de me evadir do que eu estou sentindo.

Mas de que outra forma isso pode ser vivido?

Na medida em que a mente do indivíduo tem maiores condições de conter angústias depressivas, esta época pode ser propícia para balanço e reflexões. Neste caso, a pessoa poderá se deixar penetrar sim pela beleza dos enfeites e das luzes, sentindo com isso uma espécie de enlevo e paz interior. E poderá, inclusive, rever qual o sentido de dar um presente para esta ou aquela pessoa, fazendo isso por um ato consciente de vontade e não por um impulso que visa aplacar angústias intoleráveis.

Tudo irá depender, portanto, da capacidade de contenção e acolhimento destas angústias depressivas naquele momento.

Espero ter conseguido transmitir a ideia que pretendia: não sou contrária ao ato de presentear alguém, algo que pode ser extremamente prazeroso. Mas, o que tentei discutir é que a necessidade compulsiva por comprar presentes nesta época do ano pode, na verdade, estar ao serviço do aplacamento de angústias profundas das quais o sujeito não se dá conta.

De minha parte, acho este período do ano uma delícia. Não para me meter em um shopping, mas para olhar as luzes, rever escolhas, fazer projetos… Enfim, para renovar, como diria Carlos Drummond de Andrade:

 

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,

a que se deu o nome de ano,

foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança

fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

 

Doze meses dão para qualquer ser humano

se cansar e entregar os pontos.

 

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez

com outro número e outra vontade de acreditar

que daqui para diante vai ser diferente…

 

 

 

 

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