Em busca de companhia para sonhar a dor de quem se é.

download (9)Um dos trabalho de uma análise consiste na ampliação (ou construção) da capacidade do paciente de sonhar sua realidade, externa e interna, mantendo o que eu chamaria de uma posição de potência diante da vida.

Bion foi o primeiro psicanalista que chamou a atenção para o fato de que a mente humana tende a se evadir das experiências emocionais verdadeiras como forma de se proteger da dor de quem se é. Segundo ele, há basicamente duas formas de um ser humano lidar com suas experiências emocionais: evadindo-se delas ou tolerando-as.

Para ele, é somente podendo entrar em contato com a verdade das nossas emoções que aprendemos com as experiências e expandimos nossa capacidade de pensar.

E é esta expansão da nossa capacidade de pensar que faz a vida valer a pena!

É ela que nos possibilita usufruir da beleza de uma música ou de uma bela paisagem e nos faz “encarar a música da vida”.

Mas, acessar esta condição de mente é algo doloroso e só pode ser conseguido mediante o encontro verdadeiro e apaixonado (no sentido amoroso e não no sentido da paixão-doença) entre duas pessoas.

mãe e bebe

A pessoa mais indicada e preparada emocionalmente para nos auxiliar nesta passagem é a nossa mãe porque ela estaria, conforme descreveu Winnicott, receptiva para os estados emocionais do bebê, podendo digeri-los e devolvê-los a ele em doses homeopáticas.

 Outra figura que nos possibilita este tipo de experiência é o analista.

Não que ele fará o papel de nossa mãe, mas sua mente (espera-se) estará receptiva e disponível para conter os estados emocionais do paciente e sonhá-los juntos.

Penso que numa relação amorosa este estado de sonho-a-dois também pode ser atingido, desde que os parceiros não estejam, pelo menos naquele momento, sufocados pelos seus próprios conteúdos mentais não metabolizados. E isso é condição rara de ocorrer.

Mas, infelizmente, o que temos hoje é o contrário do que estou tentando descrever aqui: outro dia estava tentando prestar atenção nos telejornais que insistiam em noticiar a mesma tragédia o dia todo (e tragédias não faltam!).

Isso ficou muito evidente para mim na tragédia de Realengo.

Fiquei pensando porque aquela repetição e aquela insistência. E imediatamente pensei que aquela transmissão em cadeia nacional provavelmente remetia a uma dificuldade de  todos nós de digerir aquela experiência de profundo terror e desamparo… E haja mente para digerir tudo o que vivemos!

Tratam-se, portanto, de experiências que não puderam ser “sonhadas” e digeridas que ficam voltando e sendo atuadas como uma “feijoada indigesta” e sendo repetidas e repetidas até que se encontre uma mente capaz de sonhá-las junto.

Mesmo porque há experiências na vida que são tão catastróficas que não teríamos condições de encará-las sozinhos.

O fato é que a realidade (externa e, sobretudo, a interna) é difícil de ser suportada:

  • há maldade
  • inveja
  • ódio
  • há também beleza
  • bondade
  • dor
  • desamparo
  • feiura

Tudo isso precisa ser “sonhado” por nós de alguma maneira. Caso contrário, voltará sob a forma de variados sintomas.

o-grito

Muitos dos sintomas que vemos atualmente se devem à incapacidade das pessoas de ‘sonhar” suas próprias experiências o que é agravado pelo momento histórico-cultural em que vivemos, onde tudo precisa ser rápido, fake e descartável.

Soma-se a isso o fato de que realmente é doloroso pagarmos o preço por termos uma mente (que urge por pensar).

É uma reação em cadeia: quanto mais eu utilizo minha capacidade de pensar os meus pensamentos e sonhar minhas experiências, mais a minha mente se expande e eu tendo a me desenvolver e a viver a vida plenamente (sofrendo e sendo feliz com intensidade, porque até para sofrer é preciso ter mente!)

Ao contrário: quanto mais eu me evado das minhas percepções e ataco a minha capacidade de perceber a realidade das emoções, mais “atrofiada” ou paralisada ficará meu instrumental mental para sonhar as experiências vividas. E mais imerso em paralisia e persecutoriedade eu fico.

Com isso, vamos ficando naquele estado mental que Bion descreveu: sem poder dormir, nem acordar!

Como zumbis, ansiando por encontrar alguém receptivo e vivo para nos fazer companhia de verdade.

Por isso, vamos pensar seriamente na responsabilidade que se é ter um filho. Pois, será da nossa condição mental de cuidado que dependerá o nascimento (ou a morte) psíquica deste novo ser.

 

2 comentários em “Em busca de companhia para sonhar a dor de quem se é.”

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