Minhas aventuras em Minas Gerais – Parte II

Já escrevi em outro texto como Minas Gerais me desperta impressões ambíguas e hiperbólicas.  

Desta vez fui à Capitólio e à Serra da Canastra. Dois lugares onde a natureza grandiosa, dramática e eloquente hipnotiza o olhar com suas águas jorrantes, minérios e chapadões a perder de vista.  

Impactada, vi a primeira queda do Velho Chico, o rio mais mítico do Brasil, que ali acabara de nascer, despencando furiosamente suas águas volumosas de 186 metros de altura. O que me fez compreender melhor porque em Grande Sertão: Veredas, este rio simboliza, no imaginário de Guimarães, perigo e provação. Exatamente como a vida. 

Enquanto estava ali um jovem tentou chegar perto do extraordinário maciço de água que caia e pensei que ele devia, tal como Riobaldo, estar testando a própria coragem, que só se descobre ao vencer o medo. Parece que em épocas de chuva o volume das águas é ainda maior! 

Subindo por trilha à parte alta da queda, surpreendi-me com o ribeirão calmo e convidativo para banho que as águas do São Francisco formam, logo antes de despencar no vazio abissal.  

Outra metáfora para a vida onde num momento tudo está calmo e no momento seguinte pode desabar e esmagar a falsa sensação de controle que se vinha tendo antes.  

Ali, banhei-me sob a proteção de São Francisco de Assis. Santo que eu admiro por sua visão positiva e amorosa dos homens e dos animais.  

Infelizmente a água gelada impediu muitos turistas de se banharem, o que me fez pensar quão distintos podem ser os homens em termos de coragem e covardia. A coragem engrandecendo e a covardia apequenando, até tornando-os um pouco engraçados.  

Havia um homem burguês que tinha comprado muitos apetrechos caros de mergulho para ir ao rio, acreditando que era isso que o faria entrar. O que não aconteceu porque espírito aventureiro não se compra em loja. 

Voltando, na Serra da Canastra, a imensidade das múltiplas paisagens que salpicam no horizonte a perder de vista me evocou um sentimento estranho de estar em casa e no mundo ao mesmo tempo. Num misto de familiaridade e vastidão difícil de equalizar.  

Diferente do que sinto quando vejo o mar, onde a monotonia da visão me desperta calmaria e aconchego.  

Hipotetizo que este seja o impacto estético de toda formação geológica e natural muito grandiosa e perene, tal como glaciares, vulcões, chapadas e cumes. Pretendo checar esta hipótese em outras viagens.  

Nesse aspecto, ver de longe o Chapadão do Diamante foi uma experiência perturbadora e magnífica ao mesmo tempo.  

Trata-se de um maciço de grande beleza cênica formado de quartzitos com escarpas muito abruptas nas bordas, que está ali a milhares de anos. Pensando depois, conclui que por meio dele entrei em contato com algo ancestral.  

Igual Carlos Drummond de Andrade, impactado em sua meninice pelo exuberante pico do Cauê, imagem da qual nunca se libertou, como se vê em seu poema circular: No meio do caminho tinha uma pedra…tinha uma pedra no meio do caminho.

Como ele, foi difícil recuperar-me.

Mas não só beleza há nesta Minas profunda. Há também jaguncismo e coronelismo. Na Cachoeira do Cerradão, ouvi a história de um jornalista que quase foi morto à balas por querer se meter com a política local. Clima hostil que se sente vagamente na cidadezinha.

Em Capitólio, mais pedras. Lá parece que predominam as do tipo São Miguel. Mas o que atraiu o “progresso” à região foi a abundância hídrica, como contam alguns moradores sobre a construção da controversa Usina Hidroelétrica de Furnas, entre 1961 e 1965. 

Idealizada por Nonô, como era chamado Juscelino Kubtscheck na região, para abastecer o país em período de franca industrialização (período conhecido como desenvolvimentista), foi realizada por uma empreiteira com muitas obras na região, a Mendes Júnior, em parceria com a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais).  

Para tal, 35.000 pessoas foram desalojadas e 32 municípios foram alagados, além da perda de terras cultiváveis. Evidenciando o delicado impasse entre progresso econômico e respeito às pessoas e ao meio ambiente.   

Passeando pelos chamados Cânions de Furnas, formado após o alagamento da enorme área (conhecida como Lago de Furnas), a guia turística informou que estávamos navegando “por cima dos municípios alagados”. Contou que, na ocasião, muitas pessoas recusaram-se a sair, e das que foram deslocadas de suas terras, várias deprimiram e se mataram. São as marcas “invisíveis” deixadas pelo progresso.  

O local é lindíssimo, mas imaginar toda aquela gente perdendo suas casas, hoje ruínas sobre as quais passeávamos num lindo dia de sol, me entristeceu e estragou um pouco o momento.   

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