Reflexões sobre o amor maduro.

               Este não é um ensaio sobre o amor na velhice ou algo parecido. Trata-se mais de algumas das minhas reflexões que são possíveis por eu estar viva no mundo, como protagonista e observadora.

                Feito este preâmbulo, vamos ao que interessa. Vejo, tanto em minha vida privada, quanto na minha prática de consultório, casais. Casais sofrendo, se engalfinhando, se odiando, se apaixonando, brigando, se reconciliando, mas, vejo raros casais se amando.

                Você pode me dizer que sou uma pessimista convicta e talvez tenha razão, mas, depois que eu defender a minha perspectiva do que é um amor maduro, talvez vá concordar comigo e passar a observar a realidade com um olhar mais criterioso.

                Primeira coisa – amor maduro não tem a ver com idade. Vejo pessoas muito vividas em tempo de vida cronológico que não sabem nada ou quase nada sobre o que é amar. Lembro-me de uma mulher nada jovem me dizendo que, em sua perspectiva, nenhum homem presta. Sua grande meta como mulher na vida parece ter sido se anular para viver a vida de seus homens e isso fez com que ela perdesse todos eles para outras. As defensoras das mulheres poderão me dizer: Tá vendo como homem nenhum presta? Eu, bancando o advogado do diabo, proporia outra questão: Até que ponto esta mulher não deixou de ser desejável para seus homens porque sua única meta na vida era servir ao desejo deles?

Onde está o meu desejo?

                Explico melhor: acredito que uma mulher ou um homem é extremamente desejável quando deseja por si próprio. Não há nada mais brochante que uma “mulher Amélia”. Acredito que o que torna um ser humano desejável é ele poder ser “senhor do seu próprio desejo”. O problema é que nós mulheres fomos criadas por nossas avós e mães para servir ao desejo do outro (normalmente do Homem com H maiúsculo) e isso nos dificultou muito a vida.

                Escrevo “senhor do próprio desejo” entre parênteses porque esta frase é um pouco descabida. Explico: os desejos são derivados do inconsciente e, portanto, não são passíveis de ser controlados. Podemos, isso sim, nos responsabilizar pelo que fazemos com eles, na medida em que os conhecemos. Mas, não podemos nos responsabilizar pelo que há no nosso inconsciente…

                Mas, voltando à questão do amor maduro. O que quero dizer com amor maduro não tem nada a ver com aqueles clichês que estamos carecas de ouvir: saiba aceitar as diferenças; releve; seja companheiro… Tudo isso é verdadeiro, mas também é muito simplista e pronto demais.

                Eu acho que o amor maduro está em outro lugar. O amor maduro é aquele capaz de suportar o risco e a constatação de que não há garantias. Como diz Vinícius de Moraes: “que seja eterno enquanto dure”. Quem me garante que o meu marido não vai conhecer alguém super interessante na esquina? Quem me garante que eu não vá conhecer alguém que me faça questionar se o que eu tenho em casa é suficiente para mim? Ninguém. E por quê? Porque não há garantias.

              Há uma música do Chico Buarque chamada “Mil perdões” em que ele fala disso. A música diz assim: “Te perdôo por pedires perdão. Por amares demais (…) Te perdôo por te trair”. A música é belíssima porque fala exatamente de como amar demais e pedir perdão o tempo todo pode ser um peso não só para quem o faz, mas para o ser amado. Além disso, chama a atenção para a responsabilidade do ser traído no desejo que o parceiro tem de trair…

Como estar junto então?

                Mas, então, caro leitor, você pode estar se perguntando: como podem duas pessoas firmarem o compromisso de estarem juntas? E eu respondo. A saída é estar antenado com o próprio desejo: quem é esta pessoa que está ao meu lado? Eu enxergo o meu companheiro como ele de fato é ou deposito nele projeções, idealizações e frustrações que, na verdade, são minhas?

                Só o fato de nos perguntarmos isso já nos faz sermos desejáveis porque nos tornamos menos previsíveis. Já pararam para observar o quanto as pessoas se escravizam numa relação, seja pelo medo de ficarem sozinhas ou pelo medo de se arriscar e encontrar alguém melhor? Ou então, como podem passar anos e às vezes uma vida toda punindo e culpando o (a) parceiro (a) por sonhos e desejos abandonados?

Escravizados pelo “amor”:

                Eu acho que é esta escravização – aquela que vivemos quando deixamos de ter coragem para nos fazermos esta pergunta – que leva muitos casais a se tornarem casais velhos, embolorados e sem vida. É isso que leva as mulheres a se rastejarem por um pouco de atenção. É isso que leva os homens a temerem casamento que nem gato teme água fria.

                Outro problema: quando somos jovens temos ainda muito tempo para nos distrairmos, para passarmos o tempo contando carneirinho. Mas, na medida em que o tempo passa, pelo menos isso é real para mim, sinto cada vez mais a urgência de viver – viver de verdade, não de mentira.

                E sabem de outra coisa: conheço um montão de pessoas mais velhas que fica tão sem coragem de se fazer essa pergunta nessa altura do campeonato e de se dar conta, talvez tarde demais, de que pegou o caminho errado, que foge, literalmente. Por que às vezes pode ser terrível e doloroso demais se deparar com o fato de que vinte, trinta, quarenta anos da vida foram simplesmente jogados fora, ou seja, foram vividos “empurrados com a barriga”.

                Por isso é que eu discordo daquela ideia tão comum de que, quanto mais velhos, mais aprendemos com as experiências. Acho esta uma visão muito idealizada do ser humano. No geral, o que observo é que pessoas mais velhas estão sempre muito assustadas para este tipo de pergunta. Acho muito corajoso quando vejo um paciente meu de idade avançada olhar pra trás e se dar conta de que “ele poderia ter sido melhor naquele casamento” ou “de que eu poderia ter dado mais atenção aos meus filhos”.

                Os mais otimistas poderiam dizer: “Antes tarde do que nunca”. Mas eu diria: já imaginou a dor que é se deparar com isso sem poder fazer o tempo rebobinar? Estes costumam ser momentos de mudanças catastróficas e de verdadeiras reestruturações da personalidade…

O amor incondicional:

                Contrapondo-se a isso que chamo de amor maduro (tentei encontrar outro nome porque maduro pode trazer a ideia de linearidade – antes era imaturo, agora é maduro – mas, confesso que não achei termo melhor), há o amor incondicional, algo que está no campo do ideal. Não conheço ninguém, nem pais e mães, nem filhos, nem amantes ou esposos que consigam amar o tempo todo e incondicionalmente. Inclusive eu acho que esta obrigação de ter que amar o tempo todo pode nos escravizar e trazer muita culpa inútil. Além disso, acredito que este sentimento “incondicional” não corresponde em nada à intensidade dos sentimentos humanos que costumam ser apaixonados tanto na capacidade de amar quanto na capacidade de odiar. O que quero dizer é que amamos e odiamos com intensidade. Todos nós. E isso faz com que a nossa espécie seja interessante e muito complexa.

                O fato é que não há receita de bolo porque estar vivo é muito, muito angustiante. Fico muito chateada quando escuto colegas terapeutas falando da angústia de um paciente sem esboçarem, minimamente, alguma angústia. Por quê? Porque eu acho que viver é sempre perigoso demais para quem está realmente vivo…

E você? Está vivo?

Abraços a todos e até a próxima.

Ana Laura

2 comentários em “Reflexões sobre o amor maduro.”

  1. Gostei do texto “Reflexões sobre o amor maduro”. Uma visão precisa do que realmente acontece conosco, que muitas vezes preferimos não nos questionarmos por medo das respostas que iremos encontrar.

    1. Gláucia, obrigada pelo seu comentário. Fico feliz que tenha gostado. Caso tenha interesse, eu publiquei um livro no final de 2013 com este e vários outros textos enfocando questões do cotidiano pelo prisma psicanalítico. O título do livro é O divã no dia a dia: crônicas do cotidiano pelo olhar da psicanálise. Você pode adquiri-lo no site da editora http://www.ield.com.br

      E fique à vontade para escrever quando desejar.

      Forte abraço.

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