A hora do sim é o descuido do não.

   Quantas vezes ele não foi e não avisou. Ou simplesmente ligou dando uma desculpa esfarrapada. Quantas vezes não retornou a ligação.

Quantas vezes ela negou aquele convite para sair com a amiga necessitada de conversar. Quantas vezes ela disse não, hoje eu não posso. Não porque não podia mesmo (embora ela não soubesse disso), mas porque tinha medo, não sabia ao certo do que.

Quantas vezes não respondeu aquele e-mail. Marcou aquela viagem e não foi. Disse que ia ligar e não ligou.

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O amor está em extinção?

Outro dia falava sobre o amor em sala de aula e fiquei surpresa com a descrença de meus jovens alunos neste sentimento tão sublime e belo. Perguntavam-me eles se o amor ainda existe porque em suas concepções, o amor, principalmente entre os casais, é item em extinção.

Tranquilizei-os dizendo que o amor existe sim entre casais, mas, acrescentei, que para experimentá-lo é preciso tolerância, maturidade e muito amor.

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A Peste da Psicanálise.

              Freud - PsicanáliseAntes de iniciar minhas reflexões, gostaria também de comentar que este texto foi suscitado pelo ótimo encontro que tivemos no evento “Psicanálise e Universidade”, ocorrido em Ribeirão Preto no final do mês passado (26 de maio). Neste encontro, que foi muito frutífero para mim, havia um “discurso comum” de todos os participantes que era o incômodo frente à uma visão de homem mecanizada, fragmentada e organicista muito disseminada pela Psiquiatria e pela cultura atual em geral. Como possibilidade de luta e resistência, todos eles apresentaram a Psicanálise como proposta para humanizar o contato de estudantes de medicina, psicologia e áreas afins com seus pacientes. Enfim, para humanizar o humano…

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Um olhar psicanalítico sobre o ritual do casamento.

cinderela

Desde pequeninas, nós mulheres,  exercitamos e construímos nossa feminilidade, sendo o ritual simbólico do casamento uma das concretizações inconscientes disso. Pois, como disse Simone de Beavouir, não se nasce mulher, aprende-se a ser.

Nesse aspecto, apesar de que, desde a revolução feminista, os papeis tradicionais da mulher de esposa e mãe tem sido duramente questionados como forma de submissão feminina (e com razão), na prática, o ritual do casamento ainda continua a ser uma necessidade simbólica premente na elaboração da feminilidade de uma mulher.

A visão da psicanálise sobre o ritual do casamento

Compreende-se na psicanálise que os rituais de passagem marcados pela cultura (festa de debutantes e casamentos, por exemplo) auxiliam a jovem no doloroso luto que ela deve fazer no sentido de abandonar sua identidade infantil para tornar-se, de fato, mulher.

Rituais que servirão para ela ir paulatinamente processando, em nível individual, a marcação da passagem do tempo e, no nível coletivo, a confirmação social de tal crescimento, o que se vê, por exemplo, na importância que a certidão de casamento tem como documento na vida dos casados.

Nesse aspecto, acompanho mulheres na clínica que vivem estados depressivos perenes porque nunca se casaram oficialmente com seus parceiros, o que é interpretado inconscientemente por elas como uma dolorosa recusa, por parte deles, em assumi-las de verdade. A tal ponto o casamento mexe com a fantasmática da mulher acerca da sua feminilidade.

Ressalta-se que a metamorfose da menina à mulher é um longo e delicado processo que envolverá sua relação com os pais, que deverão ser paulatinamente abandonados como objetos de amor infantil para que ela possa criar sua própria família. Luto necessário ao crescimento no qual muitas falharão, por terem uma relação de apego excessivo com os mesmos.

Preocupações obsessivas com pequenos detalhes do casamento e a necessidade premente de fazê-lo uma festa triunfal ou extratosférica podem, nesse aspecto, serem compreendidos como dificuldades por parte dos noivos de viverem este doloroso processo. O que explica, depois, o divórcio tão rápido.

Na atualidade, onde tudo se transforma em um grande show de superfialidade artifical, muitos rituais de casamentos infelizmente são vividos desta forma.

Elencarei agora algumas das angústias inconscientes que a jovem mulher enfrenta às vésperas de subir ao altar, a partir da fábula “Cinderela” dos irmãos Grimm.

A fábula da Cinderela:

A fábula conhecida como Cinderela ou Gata Borralheira possui várias versões. Uma delas foi elaborada, em 1810, pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm – dois alemães que se dedicaram à criação e registro de diversas fábulas infantis. Muitas de suas fábulas foram modificadas posteriormente por serem consideradas violentas demais para as crianças.

Aí vai um breve resumo da fábula Cinderela…

A mulher de um homem muito rico estava muito doente. Ao perceber a proximidade da morte, chamou sua única filha ao leito e disse a ela para ser boa e piedosa com Deus e que ela (a mãe) estaria sempre olhando por ela. Dito isso, a mulher morreu.  Durante todo o inverno rigoroso, a jovem visitou e chorou sobre o túmulo de sua mãe. Chegada à primavera, seu pai encontrou outra esposa com quem se casou. Esta esposa tinha duas filhas que eram bonitas por fora, mas feias e más por dentro. Tanto a madrasta como suas filhas tratavam a jovem moça muito mal – forçavam-na a limpar a casa, a vestir roupas velhas, a dormir no chão e a cozinhar, lavar e passar. Derramavam, só por maldade, ervilhas e lentilhas pelo chão só para que ela as catasse, uma a uma. Como a moça estava sempre suja e empoeirada as filhas da madrasta lhe deram o nome de Cinderela – nome que remete a borralho, sujeira em inglês. Certo dia, o pai estava indo à feira e perguntou às moças o que elas queriam. As filhas da madrasta disseram que queriam belas jóias e vestidos. Cinderela pediu que o pai lhe trouxesse o primeiro galho de árvore que batesse em seu chapéu. Assim foi feito. Cinderela plantou este galho no túmulo de sua mãe e, de tanto chorar sobre ele, nasceu ali uma bela árvore. Todos os dias Cinderela chorava e rezava sob a árvore e passarinhos brancos vinham realizar os seus desejos. Um belo dia foi anunciado que o filho do rei faria uma festa para escolher sua noiva. As filhas da madrasta ficaram alvoroçadas. Cinderela também queria ir, mas não tinha nem roupas nem sapatos. Além disso, tinha que catar as lentilhas e ervilhas que foram derrubadas de forma maldosa pela madrasta e suas filhas. Pediu ajuda de suas amigas pombinhas, que rapidamente lhe ajudaram. Triste por não ter roupas adequadas, foi ao túmulo da mãe e pediu “Balance e se agite, árvore adorada. Me cubra toda de ouro e prata”. O passarinho lhe deu um lindo vestido de festa e sapatos brilhantes. Assim, Cinderela foi ao baile e dançou a noite toda com o príncipe, encantado com sua beleza. No momento de ir embora, o príncipe quis acompanhá-la até em casa para saber quem era sua família, mas Cinderela fugiu dele e se escondeu no pombal. O príncipe ficou em frente à sua casa até o pai da jovem aparecer e lhe questionou quem era aquela moça com quem ele tinha dançado. E o pai pensou: “Deve ser Cinderela”. Na noite seguinte, houve mais um baile e Cinderela surgiu com um vestido ainda mais belo. No final da noite, novamente se escondeu do príncipe, mas agora no topo de uma árvore. Na terceira noite, tudo se repetiu, mas desta vez o príncipe, já sabendo da fuga de sua amada, foi mais esperto e resolveu passar piche na escadaria do palácio – assim, o sapatinho ficaria preso lá e ele saberia, finalmente, quem era aquela jovem dama. Na manhã seguinte, dirigiu-se à casa do pai de Cinderela e disse que só se casaria com a dona daquele sapato. As filhas da madrasta experimentaram o sapato, que ficou muito apertado. Desesperadas, uma delas cortou o calcanhar e outra o dedão do pé, mas o príncipe notou o sangue e descobriu o engodo. Perguntou se havia mais alguma moça na casa e o pai disse que sim, que havia a filha raquítica de sua ex-mulher. O príncipe pediu para vê-la e experimentar o calçado nela. Ao vê-la, imediatamente a reconheceu. Além disso, o sapato serviu perfeitamente. No dia do casamento do príncipe com a Cinderela, embora a madrasta e suas filhas estivessem com muita raiva, queriam voltar a ser amigas da jovem. Mas, as pombinhas furaram os olhos das duas irmãs, punindo-as por tanta maldade e inveja.

Análise da fábula pelo vértice psicanalítico

Observa-se na fábula de Cinderela que duas coisas devem ocorrer juntas, para que a feminilidade da jovem mulher se estabeleça: que ela consiga se separar da mãe, o que significará enfrentar o ódio e inveja desta pelo crescimento da filha, e que o pai a endosse e reconheça finalmente como mulher.

Isso dependerá, no primeiro caso, da rivalidade e ódio entre ambas não serem preponderantes, e no segundo, do pai não ficar muito angustiado sexualmente por reconhecer sua filha como uma linda mulher. Nesse aspecto, não é à toa que quem “cede a mão” da filha ao futuro marido é sempre o pai da noiva, o que pode lhe despertar, dependendo do caso, orgulho ou ciúme.

Já no caso da mãe da noiva, o que deverá ser elaborado, dentre outras coisas,  é o doloroso sentimento de que a filha é jovem e tem todo o tempo do mundo pela frente, enquanto ela própria envelhece e não é mais bela. Situação muito comuns de se ver em casamentos: a mãe da noiva competindo em beleza com ela própria.

Eu conheço uma pessoa que, no dia do seu casamento, surpreendeu-se com sua própria mãe vestida de branco, como ela!

Considerações finais

Conclui-se que o dia do casamento é um momento que pode ser muito bonito e inesquecível na vida dos noivos, desde que ele signifique a consolidação de um longo e angustioso processo de amadurecimento interno, que se concretiza no desejo público de dois adultos formarem um casal. O que está longe de ocorrer na grande maioria dos casos.

Assim como no caso da maternidade, penso que o casamento tem sido investido em nossa sociedade atual de uma forte idealização, o que não contempla a complexidade emocional implicada neste delicado processo que eu busquei descrever aqui.

O que pode tornar os noivos culpados e solitários para lidar com tanta carga emocional sozinhos. Ou então, perdidos em meio à tules, vestidos, penteados, e convites luxuosos de casamento, que não determinam em nada a beleza do momento.

Ao contrário do amor profundo que une ou não aquelas duas pessoas. Este sim fundamental para um casamento seja belo e emocionante.

Para quê serve mesmo a Universidade?

Gostaria de compartilhar com vocês a minha alegria ao perceber, participando do evento ocorrido em Ribeirão Preto no dia 26 de maio sobre Psicanálise e Universidade, que não estou sozinha em minhas angústias e reflexões sobre os caminhos que o ensino superior tem tomado no nosso país.

Leciono no Ensino Superior há mais ou menos seis anos. Além disso, experimentei a universidade como aluna durante onze anos da minha vida (cinco de graduação, dois de mestrado e quatro de doutorado).

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A dor “parideira”.

Fiquei muito surpresa e feliz com o número de e-mails carinhosos que eu recebi na semana passada de pessoas agradecendo o meu texto “Reflexões sobre o amor maduro”.

Fiquei pensando, ao receber este grande número de e-mails carinhosos, o que é que este texto tinha despertado nas pessoas. E mais, o que é que ele tinha de diferente dos outros.

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Reflexões sobre o amor maduro.

               Este não é um ensaio sobre o amor na velhice ou algo parecido. Trata-se mais de algumas das minhas reflexões que são possíveis por eu estar viva no mundo, como protagonista e observadora.

                Feito este preâmbulo, vamos ao que interessa. Vejo, tanto em minha vida privada, quanto na minha prática de consultório, casais. Casais sofrendo, se engalfinhando, se odiando, se apaixonando, brigando, se reconciliando, mas, vejo raros casais se amando.

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O mito de Narciso sob a ótica da Psicanálise

Mito de NarcisoNesta sexta-feira estive no Cinema e Psicanálise e assisti ao filme “O retrato de Dorian Gray”, baseado no livro de mesmo título escrito por Oscar Wilde. Vale lembrar que, além deste filme, há outras filmagens da mesma obra, embora eu não as tenha visto.

Grande parte das discussões após a exibição do filme giraram em torno da temática do narcisismo. Como o propósito do post não é analisar o filme e sim o narcisismo, sugiro que leiam a obra de Oscar Wilde e assistam ao filme para compreender melhor a discussão.

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Fé na Psicanálise

download (8)Este é um tema recorrente no meio psicanalítico em que se discute a crise da Psicanálise, diante do momento  histórico / cultural atual (muito diferente do vivenciado por Freud). Lembro a vocês que crise não é algo necessariamente ruim já que, é no momento de crise que  ressignificamos nosso modo de compreender o jeito habitual de fazer as coisas.

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Em busca de companhia para sonhar a dor de quem se é.

download (9)Um dos trabalho de uma análise consiste na ampliação (ou construção) da capacidade do paciente de sonhar sua realidade, externa e interna, mantendo o que eu chamaria de uma posição de potência diante da vida.

Bion foi o primeiro psicanalista que chamou a atenção para o fato de que a mente humana tende a se evadir das experiências emocionais verdadeiras como forma de se proteger da dor de quem se é. Segundo ele, há basicamente duas formas de um ser humano lidar com suas experiências emocionais: evadindo-se delas ou tolerando-as.

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